quinta-feira, 17 de março de 2011

“Se há uma realidade simbólica – aquela, cuja expressão mais adequada é o mito – é ela constituída por entes fluidos e translúcidos"

“Se há uma realidade simbólica – aquela, cuja expressão mais adequada é o mito – é ela constituída por entes fluidos e translúcidos; de tal maneira fluidos, que indistinto se torna o limite entre o ser humano e o ser divino, entre o ser divino e o ser natural, entre o ser natural e o ser humano; e de tal maneira translúcidos, que através do ser homem transparece o ser animal ou o ser planta, o ser rio, mar ou montanha; ou através do ser deus transparece o ser humano ou o ser natural. Perca o simbólico a sua fluidez e a sua transparência, que sucederá? Tudo se cousifica! E a coisa, que nos mostra a sua face de terra, oculta seus veios de sangue ou de seiva, o corpóreo oculta o anímico ou o anímico oculta o corpóreo, o homem esconde o divino ou o divino esconde o humano. Quando o símbolo se cousifica, ou quando por diabólica inspiração ou sugestão, nós cousificamos o simbólico, a metamorfose já não é possível […]”

- Eudoro de Sousa, "...Sempre o mesmo acerca do mesmo".

1 comentário:

Anónimo disse...

As coisas são e não são as coisas. A passagem ao mito dá-se na “matéria espiritual” que cada coisa emana não de si mesma, enquanto coisa corpórea, mas da presença ausente, oculta em cada coisa. É essa que é “fluida” e “translúcida” e “indistinta”, permitindo, deste modo, que todas as coisas não sejam somente (as) coisas, e a realidade seja o “mais” de cada coisa. Esse “mais” é que a torna simbólica. A realidade simbólica é a expressão de uma transição, de uma passagem, de uma memória. A metamorfose, o processo de transformação, não se dá nas coisas, mas na matéria divina que interpenetra e comunica com a realidade.
Deus não é uma coisa, muito menos a ideia de deus o é, tal como o Nada não é a ausência das coisas, senão a presença plena de todas as coisas. Mas nem toda a realidade simbólica é mito, para que o seja, ela pode ser entendida, como tão bem o exprime Pessoa, como “o nada que é tudo”, surgindo não como a soma ou a divisão da realidade (qualquer medida ou quantificação a coisifica) mas como uma “narrativa”, uma Presença, mais ou menos exemplar, que remete à Origem sagrada e primordial de todas as coisas.

Essa Origem porventura seja ela constituída por fluidos, energia, alma, centelha divina, presente em nós e nas coisas.

Abraço, Paulo.