quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Ruído e Silêncio em Vergílio Ferreira (excerto), Isabel Rosete

O ruído omnipresente, tão característico da sociedade contemporânea, tornou-se um meio identitário, um modo de ser estar ocupado e preenchido, mas não um modo de ser do indivíduo. A modernidade abriu caça a todas as formas de silêncio. Exorciza-o, conserva-o à distância, considera-o politicamente incorrecto. Somos incapazes de nos abrirmos a uma «aprendizagem serena do silêncio», de escutar as vozes silenciosas da Terra, as vozes ermas dos campos «no calor parado da tarde». Perdemos, definitivamente, a serenidade e não somos mais capazes de fruir o «riso sem som», de nos determos a escutar, de nos calarmos, de percebermos, pois, que até «Deus entreabre um olhar no silêncio do campo em ruínas». Enfim, de regressarmos «ao silêncio fundamental».
       Justifica-se, presentemente, a sua fobia, pois a palavra é o único antídoto para a as múltiplas formas de totalitarismo que procuram reduzir a sociedade ao silêncio. É a grande estratégia dos políticos, das figuras públicas mais influentes. Mas não usam eles os totalitarismos, a palavra como formas de calar a voz dos que ainda escutam os desígnios insondáveis do Ser, da Vida e da Morte?
.......Seja como for, o silêncio deixou de fazer parte da nossa cultura, e o pensar vergiliano é bem a memória recôndita, mas des-velada deste estado insuportável da humanidade. O silêncio tornou-se um intruso, um abismo no seio do discurso, até mesmo um factor de desconforto, qual circunstância penosa, assunto particularmente impopular nos dia que correm na agonia da demagogia barata que tanto ilude muitas das mentes ditas mais esclarecidas, que comove as massas, sedentas de ouvir qualquer coisa que soe bem, mas, no entanto, incapazes de escutar o ser essencial das palavras de origem, esse modo de ser da linguagem, onde a verdade e autenticidade das coisas nascem e são.
.......A situação é, contudo paradoxal: a saturação da palavra, dos discursos eloquentes, mas vazios de conteúdo significante, das mis engendradas tagarelices dos renascidos Sofistas, induzem, cada vez mais, ao fascínio do silêncio. Ambivalente, suscita o amor e o ódio. Ousar falar dele, torna-se um tema provocatório, quiçá, contracultural, contribuindo para subverter o conformismo pacóvio, o efeito anestesiante e dissolvente do ruído incessante, que nos impede de ouvir, mesmo a «boca aberta num grito» . Os nossos ouvidos estão cobertos de «lixo orgânico», e até «mesmo Deus que é um chato», «tem sempre uma palavra a dizer»; e as nossas casas jamais adormecem no silêncio .
.......Mas o silêncio também assume uma função reparadora, eminentemente terapêutica, repondo pelo discurso inteligente, de que obra de Vergílio Ferreira é dos exemplos mais eminentes de toda a Literatura Portuguesa – um bem escasso, aliás – a necessidade vital de integridade. Mostra-nos o nosso escritor que, sem ele, perdemo-nos nas palavras, perdemos o fio condutor no crescente labirinto do discurso: essa infindável imensidão do silêncio rodeia qualquer escrito, qualquer assunto, qualquer existência humana, deixando-lhe justamente a possibilidade do seu encaminhamento ao longo de uma margem sem princípio nem fim. Sem norte, sem destino. Nas basta aprender a ouvir. Para escutar o mundo e outro, é preciso saber partir do silêncio. Esta é uma das grandes mensagens do nosso escritor, tal como foi de le Breton, tão inspirado na soberba escrita do Silêncio.

Isabel Rosete

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