quarta-feira, 27 de outubro de 2010

No surprises

Passo todos os dias nesta esquina. Conheço-a de cor, desde menina. Já passei criança, adolescente, mais tarde enamorada, depois casada. Noutro dia, voltei descasada. É a esquina conhecida. Tem um angulo recto. Volto à direita, retono à esquerda. No passado não lhe deslumbrava o vértice, agora perco-o de vista. É a esquina que tudo conta em silêncio. Memória viva dos meus passos enquanto viva.

Tudo mudou. A barbearia agora é um bar de gente culta. A mercearia hoje vende papel reciclado. A padaria ainda vende pão pelas mãos das netas da Dona Virginia, já morta.

Tudo muda, menos a esquina sempre bonita. Alí, naquele canto é o único lugar que conheço que faz um ângulo recto.

Não importa quantos passos. Se dez ou mil chega um momento que devo virar à esquerda e se quero voltar viro de novo à direita, certa de que saí do lugar.

Vinha aqui para contar do amor que acabo de fazer. Escrever um poema molhado de poesia, repleto de beijos roubados que silenciam o passado. Vinha aqui timidamente falar de como acariciei o corpo suado do meu amado. Minha boca perdida em seus lábios, meu ventre vivo sem limites a ditar que existo.

Acabo de chegar quase pronta para outra viagem onde invento o amor amado sem vírgulas onde tropeçar.

Vinha a isto que é bonito de se contar, mas só me lembro da esquina - a minha conhecida, onde viro à esquerda e retorno à direita. Aquí nesse canto onde desenho o triângulo da minha existência.

Um ângulo recto. Sem surpresas, por vezes.

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