sexta-feira, 2 de abril de 2010

A propósito da Páscoa


Num tempo em que as ressurreições já não são espectaculares como no tempo de Jesus, porque também as crucificações já não o são, é preciso, cada vez mais, procurar no céu, os sinais.
E tal como são os pássaros os que melhor nos podem observar na terra, é da terra que melhor se observam os sinais no céu.
Os anjos partiram com os deuses, os pássaros têm a vista cansada e os astros já não são o que eram, cansados do mau ambiente que criámos para eles.
Todos nos abandonam nesta tarefa de olhar o céu.
Mas como fazê-lo sem implantar bem os pés na terra, este imenso hangar?
E como fazê-lo se não aprendemos ainda a soletrar a mais básica linguagem da terra com seu elementar alfabeto de apenas quatro letras?
Quando a terra, a água, o ar e o fogo significarem, para nós, a estabilidade, a mudança, a inteligência e o amor, quando no fruto que mordermos soubermos ler sem hesitações esta cartilha maternal, quando a escrita das nuvens se tornar eloquente como um anúncio de televisão, quando os braços abertos de todos os Cristos nos falarem de abraços e os pés na cruz nos lembrarem o abandono a que temos votado os nossos próprios pilares, bem podem passar Páscoas pelos nossos cabelos cada vez mais embranquecidos, continuaremos a ser os pilatos que lavam as mãos na água cada vez mais suja.
Mas desconfio que o tempo dos olhos fechados e dos pés ignorados está para acabar. Segreda-mo um Cristo que acaba de passar. Tão rápido, que apenas ficou na fotografia a nuvem que o seguia.

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