quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Uma pequena história do não


Enrique Vila-Matas. Bartleby e companhia. Trad. Maria Carolina de Araújo e Josely Vianna Baptista. São Paulo: Cosac Naify, 2004.


Partindo de “Bartleby, o escrivão”, conto de Herman Melville, autor de Moby Dick, Vila-Matas fala de nomes menos ou mais famosos de todo o mundo, que sucumbiram ao que ele chama síndrome de Bartleby. Não o faz porém em um texto corrido, mas sob a forma de notas, que hipoteticamente pertenceriam a trabalhos sobre esses autores. Em todas essas notas, o espanhol Vila-Matas discorre sobre as razões que teriam levado tais autores a desistir ou renegar a literatura ou algum tipo de arte, depois de haver produzido uma obra promissora.

O próprio autor das notas, um personagem fictício, seria ele mesmo um adepto da literatura do Não. Seu texto, fragmentário e fissurado, compõe uma imagem física da hesitação e do desalento que levaram esses autores à desistência e à pura contemplação. Assim como acontece com Bartleby, eles parecem repetir “preferiria não o fazer”, quando por exemplo Kafka, em um domingo chuvoso de julho, “sente-se invadido por uma total paralisisa de escrita e passa o dia olhando fixamente para seus dedos, presa da síndrome de Bartleby”.  Ou quando, com a Segunda Guerra Mundial, “a linguagem ficou também mutilada, e Paul Celan pôde apenas remexer uma ferida iletrada, em tempos de silêncio e destruição”.

O “espanhol velho e corcunda” inventado por Vila-Matas para escrever esse livro sui-generis – e delicioso – tem uma longa nota sobre Jerome David Salinger, que deixou de escrever depois de publicar quatro livros “tão deslumbrantes quanto famosíssimos”. Comenta ainda o artigo de Borges a respeito de seu conterrâneo, o poeta Enrique Banchs, também autor de quatro livros – inclusive o famoso La Urna – publicados no início do século XX, após os quais silenciou durante 57 anos, até sua morte em 1968.


Até um dos heterônimos de Pessoa, o suicida barão de Teive, autor de um breve e único livro, A educação do estóico, “fala dos livros que teria escrito, não fosse o fato de ter preferido não escrevê-los”.  O barão se matou, e para isso parece ter contribuído “a descoberta de que até Leopardi (...) estava impossibilidado para a arte superior.” E pior, Leopardi fora capaz de escrever uma bobagem como “sou tímido com as mulheres; logo, Deus não existe”.  Para o barão, isso provava que, em matéria de arte, “não havia nada a fazer, apenas reconhecer uma possível aristocracia da alma”. Ou talvez tenha pensado: “somos tímidos com as mulheres. Deus existe, mas Cristo não tinha biblioteca, nunca chegamos a nada, mas ao menos alguém inventou a dignidade”.

2 comentários:

Serafina disse...

O não como uma espécie de nonada, portanto. Raras vezes os que sonham são os que fazem.

dade amorim disse...

Tem razão, Laura.

Acabei de corrigir um erro no terceiro parágrafo(que em gráfica seria um "empastelamento", mas não sei por que aconteceu na postagem).
Peço desculpas por ele, e espero que tenha ficado mais claro agora.